segunda-feira, 5 de outubro de 2009

YAD VASHEM


Para Paul Celan

     Não existe mais Deus, apenas o azul silencioso do céu. Disse Nietzsche: “Deus está morto” e realmente está, contudo não sei aonde. Talvez esteja em alguma cova comunitária com outros anônimos e um furo na nuca. Talvez tenha escapado pelas chaminés, se misturou com as nuvens e agora as tinge de cinza. Talvez tenha definhado numa cama sem estofo, tomou tanto gosto pela escuridão que se rendeu a ela e se mesclou com as sombras na parede. Meu bom Senhor, não teve ninguém para chorar a sua morte.


       Aquele homem era rico, tão rico. Sua fortuna era alardeada de Danzig até Cracóvia. Agora ele anda arrastando os pés e de cabeça baixa – outrora empinava o nariz e falava alto – todavia olhe seus olhos, brancos, vazios, ainda parecem pérolas. Ele tinha um filho, o filho agora é só memória, e elas não têm valor nenhum.


       Eu também tinha alguém. Eu tinha uma mulher que ria, andava nas pontas dos pés e colocava flores no cabelo. Hoje ninguém, nem mesmo eu, nem mesmo eu, estive presente para repousar uma flor, uma pétala que fosse, em sua cova. Ela agora é vários, e seu corpo que eu conhecia tão bem provavelmente não seria capaz de encontrar no mar de ossos e dentes.


       Gostaria de imaginar que esta fosse uma provação de Jó, mas não sinto a ira divina, ou o escárnio satânico. È a incapacidade dele, não compreende a sua criação. Tomou a forma de um homem nu esquelético, de cabeça raspada e me diz: “Me desculpe, me desculpe, eu gostaria de estar aí, eu faço o que posso, veja, renuncio a minha posição de onipotência, sou como você, como você!” E chora, mas não sei dizer se chora de tristeza ou é a fumaça que lhe faz lacrimejar.


        Mais tarde serei eu. Se tiver azar, vou ser deitado com outros tantos, mãos sobre minhas mãos, pernas enroscadas em minhas pernas, vou engolir o solo e seu sal. A terra clama o que é dela por direito. Será que conversam quando ninguém mais os vê? “Meu nome é tal, e eu era, mas já não sou”. “Eu me chamava assim, por um momento tive uma vida, uma casa, uma família. Veio a desgraça e agora nada mais possuo, só a poeira que me entra pela garganta e olhos e você, que me dá a mão, mas eu nem consigo ver seu rosto!”


          Se tiver sorte, vou evaporar e desmanchar no ar. Não, não, é uma escapatória fácil. Nós vamos nos vingar. Vamos fugir dos muros que nos cercam, brincar no arame farpados e atravessar campos tristes. Invadiremos suas casas – passaremos pelo vão da porta, por uma janela aberta – e vamos comê-los por dentro. Estaremos na comida que comem, deitaremos em suas camas com eles, escorreremos pelo ralo no banho (só para retornar mais tarde), envolveremos seus filhos, suas esposas. Somos o anjo da décima praga, não há como se desviar de nós, os puros, matem um cordeiro e pintem sua soleira com seu sangue e esse cordeiro será vocês. Aos ímpios, beijaremos sua boca, passaremos nossos dedos sujos de fuligem pelos seus lábios, nossas línguas roxas em suas línguas. Você nos respirará e entraremos em seus pulmões e circularemos pelo seu sangue. Forçaremos suas lágrimas, escondidos em suas pálpebras, comprimiremos nossas mãos sujas e poeirentas  em sua córnea. “Leite negro da manhã nós bebemos e bebemos” até que sua casa esteja cinza, rota e esquálida como nós.


           E dormiremos na tumba onde não se dorme apertado.

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Bizarro. Isso é um texto sério, meu. Nem acredito nisso, que tomei coragem de postar material criativo meu aqui. "Criativo" entre aspas, por que foi inspirado no poema "Todesfuge" do Paul Celan (por isso a homenagem rídicula á ele no ínicio). Não pensei que fosse fazer isso em dia, essas coisas são muito pessoai se francamente, não sei se recebo críticas muito bem. Quer dizer, não vou me descabelar ou me suicidar, mas não é como que eu quisesse que gente que eu não confio lesse essas coisas. Bem, paciência. Taí. Se gostarem, ótimo, se não gostarem, tudo bem.(sério)






6 comentários:

  1. Gostei, gostei sim! Não conhecia esse seu lado, Kaiser, mas foi bom conhecê-lo. Esperarei mais textos como esse, com toda essa linguagem pesada e tal - o que eu acho que combina bem contigo e que também é diferente do que eu tenho lido por aí. Só uma coisa, você escrever "è" em vez de "é" :B
    Só isso.

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  2. "Esse seu lado" ficou um negócio meio aviadado. hehehe brinks.
    Vlw, sério. Acredite, é sempre uma coisa díficil pra mim postar isso, por que sempre a sensação que vai está ruim.

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  3. Bem denso. Não tenso, TENSO, mas DENSO. Uma letra não faz diferença, mas TENSO é irado, assim como seu texto. Parabéns.

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  4. Cara, é muito você! Quando eu li parecia muito você contando, sabe? hihi Gostei bastante.

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  5. Tenso. Eu gostei. Gostei da maneira como você escreveu, gostei do fato de ser um texto novo pra você - já que normalmente você escreve coisas humorísticas -, gostei de ter visto muito você no texto, gostei do fato de você ter se entregado - acredite, dá pra ver isso no seu texto.

    Só não acho que Deus esteja morto. Mas é só. Parabéns.

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  6. Não sou eu que falo que deus está morto, é o carinha do texto

    E, pô, todo mundo falando de tenso, achei mais melancólico e desesperançoso do que TENSO. mas valeu galëre

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Ditadura do proletariado